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No último vídeo, falamos sobre o conceito de contrato e também sobre particularidades de um contrato verbal. Nesse vídeo, vamos avançar sobre o passo 1 do modelo e entender os critérios que segundo a norma, são necessários para definir quando um contrato realmente existe para fins de reconhecimento de receita.
Segundo o CPC 47 um contrato não existe se cada parte do contrato tiver o direito incondicional (enforceable right) de rescindir inteiramente um contrato não cumprido, sem compensar ou restituir a outra parte. O contrato está inteiramente não cumprido se ambos os critérios a seguir forem atendidos: (a) a entidade ainda não transferiu nenhum bem ou serviço prometido ao cliente; e (b) a entidade ainda não recebeu e ainda não tem o direito de receber qualquer contraprestação em troca dos bens ou serviços.
Além do direito incondicional mencionado, podemos afirmar que um contrato ou acordo existe e consequentemente a receita poderá ser reconhecida, somente quando todos os critérios e atributos a seguir forem atendidos:
- quando as partes do contrato aprovarem o contrato e estiverem comprometidas em cumprir suas respectivas obrigações;
- quando a entidade puder identificar os direitos de cada parte em relação aos bens ou serviços a serem transferidos;
- quando a entidade puder identificar os termos de pagamento para os bens ou serviços a serem transferidos;
- quando o contrato possuir substância comercial; e
- quando for provável que a entidade receberá a contraprestação à qual terá direito em troca dos bens ou serviços que serão transferidos ao cliente.
Segundo o CPC 47, é esperado que esses critérios e atributos estejam presentes em um contrato ou acordo, por isso a norma condiciona que a receita somente seja reconhecida se eles estiverem evidentes e claros na transação que está sendo avaliada. Esses critérios, utilizados para definir se um contrato ou acordo realmente existem, possuem uma razão de existência e estão diretamente conectados ao modelo dos 5 passos. Vamos falar de cada um individualmente e você vai entender melhor esse meu comentário.
- Aprovação e compromisso das partes
Para que a receita seja reconhecida, deve haver um contrato aprovado entre as partes. Tal aprovação não precisa ser apenas através de uma formalização escrita, mas pode também ser por meio oral ou até mesmo baseada nas práticas usuais de negócios da entidade. Sem aprovação das partes envolvidas na negociação, não fica claro se o contrato ou acordo criou uma obrigação executável entre os envolvidos. É muito importante considerar todos os fatos e circunstâncias para determinar se um contrato foi aprovado, incluindo o entendimento da transação e especialmente a prática usual da entidade. Por exemplo, imagine uma empresa cuja prática usual é obter aprovação de seus contratos e acordos de forma escrita e formal junto a seus clientes e ela resolve, para uma transação específica, sustentar o reconhecimento de receita de um acordo que foi aprovado apenas verbalmente. Nesse caso, é evidente que precisamos analisar as evidências que sustentam que o tal acordo verbal foi aprovado, porém a prática usual dessa entidade, que é obter contratos escritos e formais de seus clientes, é uma forte evidência que põe em cheque a sustentação de que tal acordo específico foi realmente aprovado pelo cliente. É preciso ter consistência no discurso.
Adicionalmente, as partes precisam também estar comprometidas em cumprir com suas obrigações definidas no contrato. Nesse contexto, as cláusulas de rescisões são peças chaves para avaliar se há comprometimento entre as partes no cumprimento do contrato. Por exemplo: digamos que um vendedor celebre um contrato com um comprador e em tal contrato não há nenhuma cláusula de rescisão ou garantia para nenhuma das partes e ambas podem encerrar a transação a qualquer momento sem nenhuma implicação financeira para a parte que optou pelo encerramento. Nesse contrato, como podemos dizer que as partes estão comprometidas? Cláusulas de rescisões, imponto penalidades ou garantias, são evidências de comprometimento das partes.
De forma geral, se não houver evidências de aprovação e de compromisso assumido entre o vendedor e o comprado, não se pode dizer que o contrato existe e consequentemente, a receita não poderá ser reconhecida nesse momento. Por outro lado, porém, não é apropriado postergar o reconhecimento de receita pela ausência de um contrato assinado se houver evidência suficiente de que há um acordo aprovado entre as partes e de que ambas estão comprometidas em cumprir com suas obrigações. Será preciso exercer julgamento e também bom senso nessas circunstâncias.
Um parênteses aqui: Todas as vezes que falarmos de exercer julgamento, é importante que tal julgamento seja formalizado e escrito, incluindo todas as fundamentações do julgamento, pois do contrário, se questionado, como a entidade poderá lembrar de todos os fatos que justificaram e embasaram seu julgamento ? Fica ai a dica.
- Identificação dos direitos das partes
As entidades envolvidas em uma transação comercial, devem ser capazes de identificar seus direitos e também obrigações em relação ao que está sendo pactuado no contrato. A receita de um contrato ou acordo não poderá ser reconhecida se os direitos e obrigações não puderem ser claramente identificados, ou seja, é importante que cada uma das partes saiba o que lhes compete e quais são seus direitos, pois caso não tenham isso claro e identificado, não serão capazes de avaliar quando será transferido o controle do bem ou serviço.
Veja bem, segundo a norma, ter a identificação dos direitos das partes é fator chave para saber quando o controle do bem ou serviço será transferido para o cliente. Estamos aqui falando que precisam estar evidentes e claros esses riscos na transação. Por exemplo, no caso de transferência de bens do comprador ao vendedor, é preciso estar identificável não só o item que está sendo transferido, mas os direitos e obrigações diretamente relacionados a ele, tais como: (a) quem assumirá a responsabilidade pelo transporte do bem e seu respectivo custo; (b) quem terá a responsabilidade de fazer o seguro e arcar com tais custos; (c) o comprador receberá o produto em seu estabelecimento ou terá a responsabilidade de retirar o bem no estabelecimento do vendedor; (d) em que momento o vendedor transfere ao comprador a titularidade e a posse do bem ? entre outras questões. Esses são apenas alguns exemplos de direitos e obrigações que precisam estar definidos.
Os direitos e obrigações precisam estar evidentes e claros entre as partes e como já falamos, tais evidências podem até mesmo ser obtidas através de contratos anteriores com tais clientes ou por meio de transações similares. Exceção apenas para os casos onde não houver históricos de transações similares.
Por exemplo, a entidade A celebra um contrato com um cliente e concorda em fornecer
serviços profissionais em troca de uma certa quantia em dinheiro, mas os direitos e obrigações das partes ainda não foram definidos e não são conhecidos. Também não há histórico de contrato entre a entidade A e seu cliente no passado, sendo esse o primeiro contrato celebrado entre eles. Nesse caso, nenhuma receita pode ser reconhecida pela entidade A pois ela ainda não tem conhecimento de seus direitos e obrigações nessa transação específica. Somente quando os direitos e obrigações estiverem claros e definidos é que será possível reconhecer receita sobre esse contrato. Está claro que sem a identificação e definição dos direitos entre as partes, não haverá informações suficientes para aplicar o passo 5 do modelo que trata do reconhecimento da receita quando o controle do bem ou serviço é transferido ao cliente? Por isso a importância de ter os direitos e obrigações definidos.
Para que esse vídeo não fique muito longo, vou ficando por aqui e prometo continuar falando dos outros 3 critérios no próximo vídeo.